Governo do Estado e Coalizão Brasil se uniram para fomentar o cultivo de árvores a fim de intensificar biodiversidade e renda do produtor rural
Cultivar espécies nativas, enriquecer a biodiversidade, proporcionar segurança hídrica e expandir a fonte de renda do produtor. Estes são os objetivos de uma recém-parceria firmada entre a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e o governo do Estado do Espírito Santo a favor da silvicultura de espécies nativas.
Ao reconhecer o plantio de árvores nativas como uma atividade econômica, além de gerar uma nova fonte de renda, o Brasil também se aproxima da meta do Acordo de Paris de recuperar 12 milhões de hectares de terras degradadas.
Miguel Calmon, líder da Força-Tarefa Silvicultura de Nativas da Coalizão e consultor sênior do WRI Brasil, conta que, para isso, a legislação sobre este cultivo deve ser mais clara, e o produtor rural precisa estar mais seguro quanto à legalidade da atividade. Principalmente porque o foco do projeto são produtores de pequeno porte e agricultura familiar.
“Você precisa registrar o seu plantio, ter um cadastro, para quando cortar a árvore para vender, tenha segurança e possa provar que aquela madeira veio de uma procedência legal. Esse é o nosso objetivo principal”, afirma.
Espírito Santo foi pioneiro em iniciativas de restauração, como o Programa Reflorestar, com o fomento do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Este exemplo em esfera nacional também tem ajudado a construir a percepção do produtor quanto à produção sustentável e com rentabilidade, segundo Robson Monteiro, subsecretário de Meio Ambiente do Estado.
“À medida que o tempo vai passando, a gente percebe a conscientização a pautas ambientais, inclusive porque o produtor vai percebendo o tamanho da vulnerabilidade que está sujeito pelo aumento da estiagem e diferença no ciclo das chuvas”, comenta Monteiro.
Ainda assim, o sub-secretário admite que esta conscientização não é o suficiente, mas o silvicultor precisa ter viabilidade econômica para a atividade. Por isso, ele diz que a proposta de trabalho da Coalizão também inclui as pastas da Agricultura e da Defesa.
“Essa é uma agenda de discussão, e a partir disso vamos avaliar o que é viável e em quanto tempo. Ainda não temos um número de produtores que queremos atingir, mas a proposta é ter modernização da legislação e abertura de crédito”, revela.
Código Florestal
Segundo Miguel Calmon, ainda que haja o Código Florestal, muitos estados ainda não regulamentaram o que é permitido plantar em Reserva Legal, entre exóticas e nativas. Desta forma, o Grupo pretende instituir um cadastro federal para exploração legal de espécies nativas e regularizar a legislação para definir o que é possível plantar e em quais condições.
“O maior entrave na economia florestal é o Código Florestal. O não cumprimento do Código, em sua plenitude, tem sido um entrave”, diz Calmon. E complementa: “Se o Código estivesse sendo cumprido à risca, já muito ajudaria a aumentar a escala da restauração e da silvicultura de nativas.”
Sob a ótica específica do Espírito Santo, ele conta que a intenção é retirar uma taxa existente que incide sobre árvores nativas.
“Para coibir a extração ilegal de florestas naturais, há uma taxa para várias espécies. Mas isso pode inviabilizar o produtor de plantar nativa. Para o cara que plantou em área legal degradada, queremos retirar essa taxa. Incentivando os produtores rurais, você começa a gerar emprego e renda, recolhimento de impostos, e todo mundo ganha”, esclarece.
Cardápio variado
O líder da Coalizão esclarece que o Grupo de Trabalho não pretende acabar com o plantio de eucalipto, árvore que atende as indústrias de papel e celulose e tem sido adotada como fonte de renda, inclusive no sistema de integração lavoura-pecuária-floresta. “Não queremos acabar com esse plantio, mas apresentar alternativas ao produtor”, reforça Calmon.
Variar o cardápio ao produtor rural também é uma forma de fugir da monocultura, segundo o subsecretário de Meio Ambiente do Espírito Santo.
“Toda vez que trabalham com exóticas, quase sempre perpassam pela estratégia de monocultura, e isso por si só já é um problema pela falta de biodiversidade. Se você tem viabilidade econômica para espécies nativas, começa a associar outros indivíduos que interagem nesse bioma e a proporcionar mais riqueza genética”, defende Monteiro.
Além do mais, Miguel Calmon menciona que a diversidade de árvores, e o respectivo plantio legal, pode reformular a indústria madeireira no Brasil, mudando o ônus de desmatamento que há sobre a Amazônia.
“Hoje temos a fama de produzir madeira ilegal da Amazônia. Nós queremos ter fama de produzir madeira legal em áreas degradadas. Em vez de São Paulo comprar madeira ilegal da Amazônia, queremos trocar por árvores legais produzidas em áreas recuperadas, e que hoje não produzem nada para a sociedade”, projeta.
Trabalho em conjunto
Uma das empresas da iniciativa privada que deve ajudar na construção desta política de silvicultura de espécies nativas é a Vale. Por meio da Reserva Natural Vale, na Mata Atlântica, Marcio Santos Ferreira, gerente da Reserva, conta que foi possível mapear 16 espécies com maior potencial de produção em função da maior taxa de crescimento.
“A gente tem um campo de coleta de dados, olhando a taxa de crescimento, potencial madeireiro da Mata Atlântica, com estudo em laboratórios, durabilidade, qual tipo de prensa, volume, qual espécie mais cresce. O Grupo de Trabalho vai dar escala com base neste mapeamento”, explica.
Ferreira conta que as conversas ainda estão no início, mas o trabalho em conjunto não apenas viabilizará a restauração florestal, mas também pensar questões de mercado de carbono e bioeconomia.
Reportagem de Mariana Grilli, da Revista Globo Rural